15 dezembro 2009

#9

Faço questão de os contar sempre, como se fosse a primeira vez que os percorresse. Divido-os mentalmente em percursos, em troços, em metas e acompanho religiosamente a sua progressão no contador.Também os divido em paisagens: através de canaviais, ladeados por campos de arroz, torrados pelas intempéries e queimados pelas geadas que caem para estes lados. Conto-os sempre e no entanto nunca sei quantos são. A sua medida não é medida da minha tristeza nem das minhas saudades nem da vontade que tenho de regressar.

Arranjei superstições para todos os momentos em cruzo pontes sobre ribeiras, para as rectas intermináveis rodeadas de mármore e de urzes, para os coelhos que vêm às vezes espreitar e arriscar a vida. Admiro-me sempre com alguém que caminha no escuro, sem reflector nem nenhum sinal que possa denunciar a sua presença, tomando a Lua como seu único guia. E cada vez tenho mais pressa, e a cada retorno mais me afasto do meu local de partida, olhando-me fora do meu corpo, uma mulher pequena num instável banco de pele. Já atravessei tempestades negras e já me furtei a raios que terminariam apenas a escassos metros de mim, já senti o irrespirável calor e já me vi debaixo de assustadores bátegas de água que me faziam temer o dilúvio.

Mas no caminho vejo charcas e vacarias abandonadas, pombais onde retornam os bichos de competição, aquele verde que brota da terra de mansinho quando chega o frio, riachos que serpenteiam entre campos de trigo, bancas de espargos e melancias onde o tempo se dispersa, pinheiros mansos carregados de pinhas, vinhas acobreadas a perder de vista, velhos na soleira da porta ou encostados a cajados e tudo fica suportavelmente mais perto. São milhares de metros em meditação, em arrumação de ideias e depois finalmente cheguei e todos os outros caminhos ficam para trás.