24 novembro 2009

#8

E eu, que sonhava quando era pequena, que havia de entrar na igreja pelo braço do meu pai e que iria brilhar tanto que os convidados não aguentariam olhar-me de frente e depois deixaria a cerimónia num carro antigo, polido e encerado a rigor e toda a gente iria comentar olha que linda que ela vai, olha-me o luxo daquele casamento, já não se fazem noivas assim. Atrás de mim, correria uma multidão de madrinhas, que o véu precisava das mãos experientes de solteiras e casadas, enfiadas no mesmo modelo em tons de carmim que eu tinha idealizado há já mais anos do que os que me consigo lembrar. E elas soltariam gritinhos histéricos quando ele me olhava (o tempo todo, portanto) e quando os meus olhos se marejavam e ele aproveitaria para dizer-me mais uma vez É assim que te quero, amor. Sentiria a mão dele apertando a minha, primeiro num aperto tímido, depois com a força proprietária e determinada de quem está certo do que sente, de quem anseia pelo momento de gravar a tinta essa certeza.

Mas ele levou-me pela sua mão suada e dispensou outra companhia. O vestido que eu havia prometido à minha mãe nunca sujar arrastava-se, ferido, pela calçada imunda. O fotógrafo já estava enfadado porque ainda tinha mais três casamentos para fazer e nenhum carro para transitar entre eles. Entre os três, não achámos um cenário mais bonito que uma montra de sevilhanas para fazer as nossas fotos - como se os folhos e algum sapateado pudessem encher uma imagem de algum fulgor. Não era com isto que tinha sonhado uns dezoito anos da minha vida mas nunca ninguém me tinha ensinado a dizer que não. Era o dia do meu casamento e só se falava em poupar. Só me restava encolher os ombros e pensar na outra: uma lua de mel em casa é melhor que um coração para sempre estropiado.

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