Havia dias em que o vento nos fazia fechar a janela e outros em que pensávamos que as grades dariam finalmente de si e tombariam, cansadas de montar guarda àqueles segredos, vergadas por gerações mais puras antes de nós. Mas elas ficavam, tal como nós, mesmo quando prometíamos que daríamos ouvidos aos nossos censores, mesmo quando ambos acusávamos o desgaste da intimidade em segredo, dos favores da carne trocados sem permissão. Ano após ano, esperavas pela chegar da Primavera e, buscando inspiração na flora do quintal, pintavas as grades e fazias florescer as flores de ferro que nunca cheguei a elogiar-te. Livravas a pedra dos parasitas do tempo frio e tudo brilhava oficialmente no meu regresso. A fachada imaculada supostamente aliviava a nossa consciência e purificava-nos as intenções, sei-o hoje mas falhei em reconhecê-lo em tantas tardes milimetricamente planeadas.
Nunca chegaria sem avisar. Mesmo que o fizesse, contava com a sinalética combinada e, à vista das portadas completamente cerradas, sabia que devia seguir sem tocar no ferrolho do portão. Mas se, pelo contrário, as portadas tocassem as paredes nas suas margens, então o meu corpo era invadido por um frémito que nunca conseguiria nomear, por uma corrente eléctrica cuja sensação nunca poderia partilhar com ninguém porque tinha sido esse o nosso compromisso. Sentiria a pulsação de imediato a acelerar, uma forma boa de taquicardia que me consumia cada vez pisava aqueles dois degraus e um dia havia de acabar por me matar. De desejo.
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