22 setembro 2009

#4

Eu sempre disse que um dia havia de provar que tenho razão. Que todas as noites passadas acordada à espera de ouvir a chave dar três voltas e meia, a chave a tinir contra o metal frio da fechadura, a chave a riscar mais uma vez a madeira da mesa da entrada tinham valido a pena. Que os silêncios depois de jantar, espalhados entre a cozinha e o sofá da sala, os silêncios dos Domingos em que podia correr entre nós uma violenta corrente de palavras, os silêncios sobre a areia da praia e entre a geleira e o saco das raquetes fariam, finalmente, sentido.

Não me bastavam já as suspeitas levantadas pela mulher da limpeza, que me alertava sempre subtilmente no final da semana para as manchas de baton, perguntando-me se era eu a dona daquela camisa e que me aguçava ainda mais a curiosidade quando me acusava de estar constantemente a mudar de perfume. Não eram suficientes as chamadas do escritório, perguntando por ti em pleno horário de expediente, obrigando-me a mentir com quantos dentes tenho para evitar a humilhação maior. Acusavas-me de já não saber nada sobre ti, como se fosses ainda a pessoa que se tinha mudado para esta casa naquele dia vinte e cinco de Setembro, sem qualquer bagagem, a não ser a emocional.

Na verdade, não tinha começado a ressentir-me da sensação de saber o que se passava. Queria ser como as outras e confrontar-te histericamente à porta de casa ou batendo a porta do carro, para que toda a vizinhança pudesse ouvir e tomar partido - certamente, iriam escolher o meu lado. Desejava receber a chamada que te denunciaria, a voz lânguida e quente perguntando pelo teu nome sem qualquer pejo, multiplicando as chamadas não atendidas pela noite fora. Planeava envolver a tua família num escândalo sem precedentes, aproveitando uma época festiva qualquer e denunciando a tua falta de escrúpulos perante os únicos que, conhecendo-te bem, te poderiam realmente amar. Mas não encontrava em mim o poder devastador das reacções intempestivas, apesar de engolir em seco de cada vez que te imaginava noutros braços, os teus lábios noutra boca, a tua atenção partilhada sem pré-aviso.

Mas eu entendia-te para além disso e entendia-me para além de toda a impulsividade. A cada passo teu na direcção oposta a nós eu tranquilizava-me secretamente porque sentia o formigueiro viciante de compreender o que se passava. A minha despedida estava preparada num envelope, onde guardava também o poema com que tinhas coroado a nossa primeira noite. Não fazia era ideia de que seria a tua amada tecnologia a tramar-te. Mas quando recebi a vossa fotografia no parque, suspirei de alívio porque sempre soubera e agora tinha finalmente luz verde para descansar.

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